Os Estilos de Apego e a Relação com o Dinheiro

A relação entre estilos de apego e comportamento financeiro é um tema profundamente interessante que integra duas áreas aparentemente distintas: a psicologia do desenvolvimento e o comportamento financeiro. No entanto, quando examinamos mais de perto, as formas como lidamos com dinheiro, decisões financeiras e planejamento estão fortemente entrelaçadas com nossas experiências emocionais mais profundas, especialmente aquelas que formamos na infância, através do nosso apego aos cuidadores. O apego molda a maneira como nos relacionamos com o mundo, com os outros e, surpreendentemente, também com o dinheiro.

O apego, como descrito pela teoria do apego de John Bowlby, refere-se ao vínculo emocional que formamos com nossos cuidadores primários, que serve como base para nossa percepção de segurança, proteção e afeto. Essa ligação, formada durante os primeiros anos de vida, influencia profundamente como nos relacionamos com outras pessoas e como vemos o mundo ao nosso redor. A qualidade do vínculo de apego pode ser classificada em apego seguro e apego inseguro. O estilo de apego inseguro pode ser do tipo ansioso, evitativo e desorganizado. Neste artigo veremos a influência dos estilos de apego na relação com o dinheiro.

Indivíduos com apego seguro tendem a confiar nos outros e manter uma comunicação aberta. Eles se sentem à vontade para dividir responsabilidades financeiras e apoiar parceiros sem medo de perder controle ou identidade própria. No contexto financeiro, pessoas com apego seguro são capazes de encontrar equilíbrio entre consumo e poupança, sem que o dinheiro seja uma fonte de ansiedade ou poder sobre os outros. Eles podem colaborar em decisões financeiras e buscar apoio quando necessário, sem sentir que isso ameaça sua autonomia. Como resultado, suas relações financeiras são mais transparentes e saudáveis. Esse estilo também se caracteriza por uma capacidade de oferecer suporte aos outros sem transformar essa ajuda em controle. Por exemplo, alguém com apego seguro pode ajudar financeiramente um parceiro ou amigo sem criar uma relação de dependência ou usar o dinheiro para manipular. Além disso, são mais propensos a buscar parcerias justas e recíprocas, tanto nas finanças quanto nos aspectos emocionais do relacionamento.

Por outro lado, aqueles com apego ansioso-preocupado frequentemente mostram um comportamento financeiro que reflete suas inseguranças emocionais. Na infância, essas pessoas podem ter experimentado cuidadores inconsistentes, que às vezes atendiam às suas necessidades e, em outras ocasiões, eram emocionalmente distantes. Como resultado, adultos com esse estilo de apego frequentemente buscam validação e segurança em suas relações e no uso do dinheiro. Financeiramente, isso pode se manifestar de várias maneiras. Uma delas é a tendência ao consumo compulsivo, usando o dinheiro como forma de aliviar a ansiedade e a insegurança.

Eles podem gastar para agradar os outros, na esperança de ganhar afeto ou aprovação, ou comprar itens luxuosos como uma maneira de melhorar sua autoestima e combater sentimentos de inadequação. No entanto, esse comportamento raramente traz a paz interior que eles buscam, levando a um ciclo de consumo, culpa e ansiedade financeira. Essas pessoas também podem ter dificuldade em planejar para o futuro, pois suas preocupações imediatas muitas vezes tomam precedência sobre considerações de longo prazo.

Pessoas com estilo de apego evitativo, por outro lado, tendem a lidar com o dinheiro de uma forma que reflete sua aversão ao envolvimento emocional e à dependência. Na infância, esses indivíduos geralmente tinham cuidadores emocionalmente indisponíveis ou negligentes, o que os levou a desenvolver uma autossuficiência exagerada como mecanismo de defesa. Isso se traduz em sua vida financeira como uma abordagem independente, muitas vezes caracterizada por uma relutância em compartilhar informações financeiras ou depender de outras pessoas em questões monetárias. Eles podem evitar conversas financeiras com parceiros, preferindo manter o controle total de seus próprios assuntos financeiros, o que pode causar conflitos em relacionamentos. Além disso, podem evitar fazer investimentos de longo prazo ou participar de planejamentos financeiros conjuntos, pois temem perder sua independência ou se tornar vulneráveis. O dinheiro, para esses indivíduos, muitas vezes assume um papel simbólico de controle e autonomia, e eles podem acumular riqueza como uma forma de garantir que nunca precisarão depender de outras pessoas.

O estilo de apego desorganizado, que geralmente surge de experiências infantis traumáticas ou abusivas, tem um impacto igualmente profundo e caótico no comportamento financeiro. Esses indivíduos podem ter crescido com cuidadores que eram fontes tanto de conforto quanto de medo, levando a um padrão de comportamento ambivalente e caótico em suas vidas adultas. Financeiramente, isso pode se manifestar em atitudes imprevisíveis e conflitantes em relação ao dinheiro. Por um lado, eles podem ser extremamente impulsivos, gastando grandes quantias de dinheiro sem pensar nas consequências; por outro, podem alternar entre períodos de extrema avareza e controle financeiro.

Esse comportamento reflete sua relação interna caótica com a segurança emocional e a dificuldade de confiar em si mesmos ou nos outros. Além disso, o dinheiro pode se tornar uma fonte de conflito interno, onde o desejo de segurança colide com a incapacidade de manter um controle estável sobre suas finanças. Eles podem experimentar sentimentos intensos de vergonha ou culpa em relação a suas escolhas financeiras, o que apenas perpetua o ciclo de desorganização e desespero.

À medida que essas dinâmicas de apego se desdobram ao longo da vida, elas moldam a forma como as pessoas se envolvem com dinheiro em diferentes contextos, desde relacionamentos pessoais até decisões de investimento e estratégias de poupança. A ansiedade e o medo de abandono que frequentemente acompanham estilos de apego inseguros podem, por exemplo, levar a decisões financeiras impulsivas ou mal pensadas, especialmente quando se trata de grandes compras ou investimentos de longo prazo. Da mesma forma, a tendência à evitação de pessoas com estilos de apego evitativo pode resultar em uma falta de planejamento e preparação financeira, à medida que evitam o desconforto emocional associado à discussão de finanças ou à dependência de outros.

No contexto dos relacionamentos, o impacto dos estilos de apego no comportamento financeiro pode ser ainda mais pronunciado. Casais frequentemente trazem para seus relacionamentos diferentes histórias emocionais e diferentes estilos de apego, o que pode gerar conflitos e mal-entendidos em relação ao dinheiro. Um parceiro com apego ansioso pode sentir necessidade de gastar para impressionar ou agradar o outro, enquanto o parceiro com apego evitativo pode se ressentir de qualquer discussão sobre finanças compartilhadas. Essas dinâmicas podem criar uma lacuna emocional, onde o dinheiro se torna um símbolo de controle, segurança ou afeto, em vez de um meio de alcançar objetivos compartilhados.

É interessante notar como esses padrões de apego, formados tão cedo na vida, continuam a influenciar escolhas financeiras décadas depois. Embora as experiências de apego da infância moldem profundamente nossos comportamentos, também é possível, com autoconsciência e esforço, modificar esses padrões. Um indivíduo com apego ansioso pode aprender a se sentir mais seguro em suas relações e, portanto, menos propenso a usar o dinheiro como uma forma de buscar validação. Da mesma forma, uma pessoa com estilo de apego evitativo pode trabalhar para desenvolver maior confiança em seus parceiros, permitindo uma abordagem mais colaborativa e aberta às finanças.


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